07 janeiro 2014

Portugal lidera solução para gerir recursos naturais da Terra

(http://www.earth-condominium.org/)
Chama-se Condomínio da Terra, é um projeto global liderado por portugueses para gerir o Sistema Terrestre, e foi discutido numa conferência internacional em Serralves, no Porto.
Aplicar o modelo jurídico do condomínio à gestão dos recursos naturais comuns da Terra encarada como um sistema global, é um projeto internacional ambicioso que está a ser liderado por Portugal.

O projeto chama-se Condomínio da Terra, abarca os recursos naturais que não têm fronteiras físicas, como a atmosfera, os oceanos, o ciclo hidrológico, a biodiversidade ou o clima, e foi debatido recentemente numa conferência internacional na Fundação Serralves, no Porto.

Neste momento a iniciativa já envolve a Fundação Serralves, as universidades de Coimbra, Porto e Nova de Lisboa, a Câmara de Gaia, o Comité Nacional da UNESCO, a Quercus, a Universidade Autónoma de Barcelona, o Instituto de Direito Internacional do Ambiente (Madrid), a Universidade de Estocolmo e diversas organizações globais que atuam junto da ONU.

Entre estas organizações destacam-se a Planet Boundaries Initiative, a Global Footprint Network, a Commons Action for the United Nations e a Eco-union.



Paulo Magalhães, investigador do Centro de Estudos de Sociologia da Universidade Nova de Lisboa (Cesnova), é o pai do conceito de Condomínio da Terra e coordenador do projeto na Quercus.

O jurista foi comissário da conferência internacional em Serralves, dedicada ao tema "Educar para o património comum", e defende que "a Terra precisa de um sistema jurídico global, mas os tratados internacionais que pretendem proteger os recursos naturais comuns são muito fragmentados, não têm em conta a dinâmica global do Sistema Terrestre".

 
Paulo Magalhães, criador do conceito de Condomínio da Terra e investigador da Universidade Nova de Lisboa (Ricardo Castelo/NFactos)

Por exemplo, a Convenção da ONU dos Direitos do Mar não considera o problema da acidificação dos oceanos, mas a abordagem do Sistema Terrestre engloba tudo o que está na Natureza: atmosfera, clima, biodiversidade, ecossistemas, recursos hídricos, oceanos.

"O nosso objetivo é preservar o Sistema Terrestre com a estrutura química do Holocénico, a era geológica que se iniciou há 12 mil anos (depois da última era glaciar) e que permitiu a emergência da civilização humana", explica o investigador.



A primeira etapa para que tal aconteça é conseguir o reconhecimento do Sistema Terrestre como Património Mundial Natural Intangível. Para isso, "há três hipóteses que estamos a estudar: a UNESCO, a ONU ou a UE", revela Paulo Magalhães.

No caso da UE, "a ideia seria apresentar uma petição no Parlamento Europeu de modo a que a Europa tome a liderança do processo na UNESCO ou na ONU".

Com efeito, o Tratado de Lisboa prevê a figura da Petição Europeia com um mínimo de um milhão de assinaturas. Por exemplo, a iniciativa "Stop à Vivissecação", promovida por um movimento de cidadãos europeus, conseguiu recentemente esse número de assinaturas numa petição que exige à Comissão Europeia legislação contra as experiências médicas em animais.



A Planet Boundaries Inititative, iniciativa envolvida no projeto liderado por Portugal, defende uma governação global efetiva dos processos do Sistema Terrestre. Nesse sentido tem trabalhado na definição e cálculo dos limites do planeta (planet boundaries) a partir dos quais fica ameaçada a preservação do Sistema Terrestre com a estrutura química que permite a existência da civilização humana.

Will Steffen, investigador da Universidade Nacional da Austrália e representante daquela organização, revelou em Serralves que até agora já foram calculados os limites para a concentração de CO2 na atmosfera, a acidificação dos oceanos, a redução da camada de ozono, a quantidade de azoto removido da atmosfera, a perda de biodiversidade, a extensão de terras que podem ser convertidas em culturas, o consumo global de água e a quantidade de fósforo que flui para os oceanos.

Destes oito limites, só os últimos três não foram ultrapassados. A situação é mais grave na perda de biodiversidade (1000% acima do limite) e na quantidade de azoto removido da atmosfera (346% acima do limite).




Um planeta finito não pode sustentar um crescimento infinito da população e do consumo de recursos", afirmou Alessandro Galli, diretor do Programa Mediterrânico da Global Footprint Network. 



A organização defende um futuro sustentável onde todas as pessoas possam ter qualidade de vida com os recursos de um planeta (one-planet). Nesse sentido tem trabalhado para que haja um uso generalizado da Pegada Ecológica para medir o impacto da atividade humana na Bioesfera.

E para calcular se estamos a consumir os recursos naturais que a Natureza nos pode fornecer - a chamada Biocapacidade - mais depressa do que o nosso planeta os pode repor. Com efeito, neste momento já são necessários 1,5 anos para a Terra voltar a produzir os recursos naturais consumidos pela sua população durante um ano.

A Pegada Ecológica será uma das bases para se definir um sistema de métrica e contabilidade global dos encargos e benefícios que cada Estado realizará no futuro Património Mundial Natural Intangível da Humanidade. E um processo de compensação entre os diferentes saldos de cada Estado - o EcoSaldo - relativamente à manutenção do Sistema Terrestre.

Os espaços internacionais fora da soberania dos Estados correspondem ao património comum natural, designado por Global Common na ONU. A partir deste conceito, o Direito internacional já identificou quatro Global Commons: o alto-mar (fora das 200 milhas das águas territoriais), os fundos marinhos, o espaço aéreo acima da atmosfera, a Antártida e os corpos celestes, tendo os dois últimos o regime jurídico de Património Comum da Humanidade.

Kul Gautam, antigo secretário-geral adjunto da ONU, defendeu na conferência de Serralves os Global Commons ou bens comuns como "uma forma completamente diferente de organizar a governação global do planeta, de modo a gerir melhor o património comum da Humanidade".

O orador nepalês salientou que "chegámos a uma encruzilhada na História humana em que precisamos de pensar para além do paradigma da soberania dos Estados-nação e dos mecanismos convencionais de mercado, no que diz respeito aos problemas do planeta relacionados com alterações climáticas, aquecimento global, pandemias, armas de destruição maciça ou ciber-segurança". 

Kul Gautam, antigo secretário-geral adjunto da ONU
(Ricardo Castelo/NFactos)
 

As oportunidades trazidas pela globalização em todas as esferas da nossa vida "também apelam a abordagens out of the box para repensar a governação global e as instituições globais como a ONU".

Nesse sentido, Kul Gautam propôs a reactivação de uma estrutura das Nações Unidas chamada Trusteeship Council, que está parada porque desapareceu por completo o objeto para o qual foi criada - a gestão das áreas do planeta que não tinham soberania - mas que tem um sistema de representação de todos os países da ONU. 
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Adaptado de:
http://expresso.sapo.pt/portugal-lidera-solucao-para-gerir-recursos-naturais-da-terra=f840796

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