A cada milhão de anos, a actividade tectónica na região do estreito de Gibraltar parece intensificar-se, distanciando a Península Ibérica da África e aumentando repentinamente o fluxo de água que vem do Mediterrâneo para o Atlântico. Essa mudança, marcada nos sedimentos do chão marinho, foi uma das principais descobertas feitas pela expedição científica do navio JOIDES Resolution.
“Provavelmente estamos a mover-nos para uma nova fase de actividade tectónica, que pode abrir mais ou fechar o estreito”, disse Dorrik Stow, numa conferência de imprensa em Lisboa. O cientista inglês é um dos líderes da equipa de 35 cientistas de 14 países, que passou os últimos dois meses no navio.
A viagem, que terminou com o navio atracado em Alcântara, fez parte do Programa Integrado de Perfuração dos Fundos Oceânicos (IODP), uma organização internacional que inclui Portugal. O navio tem 143 metros de comprimento e uma torre de sondagens com 62 metros de altura acima do nível do mar. Desde 1985, JOIDES está ao serviço do programa, depois de terminar os seus dias como navio de prospecção petrolífera.
Os sete núcleos de perfuração feitos nos últimos dois meses, cinco a Sul de Faro e dois a Oeste da costa alentejana, serviram para estudar a formação do mar Mediterrâneo e os ciclos climáticos da Terra. Há 5,6 milhões de anos, o Mediterrâneo ficou isolado do Atlântico, o que fez aumentar a salinidade. Passados 300 mil anos, o estreito voltou a abrir e surgiu uma nova corrente quente, salgada e muito mais densa, vinda do mar, que ao atravessar o estreito de Gibraltar se afunda no oceano.
“Temos uma grande fonte de água fria no mar da Noruega que arrefece, afunda-se e move-se para Sul. A água quente (vinda de Sul) corre à superfície”; “Mas é preciso um input de águas mais quentes e mais salgadas a latitudes mais altas, o Mediterrâneo providencia este equilibrio.”, disse Stow.
O fluxo deixa um rasto de sedimentos pelo Atlântico, que se acumulou ao longo das Eras e que o JOIDES Resolution perfurou. O navio recolheu um cilindro de 5,5 quilómetros de comprimento de solo marinho. As amostras acabaram divididas em cilindros de 1,5 metros. A equipa descobriu através das amostras que nos últimos 4 M.a. existiram três grandes episódios de mudança na água vinda do Mediterrâneo, devido a “um pulso tectónico que tem afectado o fluxo mediterrânico e por isso o clima”. As amostras confirmaram os ciclos climáticos de 20.000 anos causados pela órbita terrestre, que origina temporadas quentes e eras glaciares. “Todas as amostras que recolhemos através das perfurações, foram similares entre si por terem esse ciclo climático forte”.
Os sedimentos recolhidos vão até os 1,4 M.a., até agora, o período de tempo que se tinha deste tipo de registos não ultrapassava os 800.000 anos, o que pode ajudar a perceber melhor o futuro do clima tendo em conta as alterações climáticas originadas pelo Homem.
Outra descoberta mais inesperada foi o surgimento de uma camada de areia na região do golfo de Cádis, que é óptima para acumular crude ou gás natural. Contudo, “a areia que perfurámos é provavelmente demasiado recente para conter crude ou gás natural”, afirmou Stow.
“A única forma de confirmar é fazendo sondagens”, disse Fernando Barriga, do departamento de geologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. O professor faz parte do conselho português da ECORD, que é o grupo que reúne 17 países europeus e o Canadá e faz parte da IODP. “Para se compreender a Terra abaixo do mar é preciso ter acesso à terceira dimensão”, disse na conferência.
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